domingo, 26 de julho de 2009

As EFAs: O Projeto Brasileiro

A estrutura fundiária brasileira caracteriza-se por uma grande concentração da propriedade da terra, crescente expropriação dos pequenos lavradores que perdem ou são induzidos a abandonar a terra em favor das grandes fazendas e aumento assustador do assalariamento rural. Essa concentração fundiária, a grilagem, a violência no campo, a miséria e a fome, com a conseqüente degradação das condições de vidas dos trabalhadores rurais, levam a um crescente êxodo rural.
Os dados do INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) mostram o nível de concentração da terra no Brasil. Conforme os dados, 40% dos imóveis rurais brasileiros tem áreas até menos de 100 hectares, mas detém apenas 18% das terras. E 59% dos imóveis tem áreas de 100 a menos de 1.000 hectares e detém 32% da área total. Enquanto isso os imóveis rurais com área de 1.000 hectares acima são menos de 1%, mas detém 50% das terras. Quanto ao êxodo rural constata-se que atualmente cerca de 76% da população brasileira vive nos espaços urbanos do país, enquanto apenas 24% se encontra na zona rural. (IBGE, 1991).
Dentro dessa realidade agrária brasileira situa-se a educação rural que, apesar dos inúmeros programas e projetos, teve sempre a perspectiva de reforçar essa estrutura, como instrumento eficaz no processo de produção, reprodução e expansão do capital, negando assim aos trabalhadores rurais uma escola de qualidade e uma possibilidade de acesso ao saber sistematizado. Isso se confirma pelos dados do IBGE. A população brasileira que vive na zona rural é 31.027.420 pessoas. Desse total 14.340.938 pessoas, ou seja 45%, não sabe ler e escrever. (IBGE, 1991).
Diante desse quadro de uma estrutura fundiária concentradora e excludente há um desafio básico a ser enfrentado: como o processo educacional pode contribuir para que as famílias de trabalhadores rurais cessem de migrar para as cidades, continuando a produzir alimentos, deixando de se tornarem problemas para toda a sociedade? E como o processo educacional pode contribuir para que as famílias de trabalhadores que estão voltando para o campo, ou querem fazê-lo através das ocupações - dos acampamentos e assentamentos - possam sobreviver, produzir e permanecer na terra e contribuir para a mudança na estrutura fundiária do país que é concentradora, excludente e violenta (MARTINS, 1981)? A implantação de "Escolas Famílias Agrícolas" (EFAs) pode ser tomada como uma possibilidade de superação desses desafios.
Atualmente no Brasil existem 136 Centros Educativos em Alternância , presentes em 21 estados. (Ver mapa dos Centros Educativos em Alternância no Brasil). Estes centros atingem aproximadamente 12.000 alunos, mais de 2.000 comunidades rurais e mais de 80.000 agricultores. Nestes centros trabalham cerca de 500 monitores-docentes.
A UNEFAB (União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil), criada em 10.03.82, com sede atualmente em Anchieta, ES, junto ao MEPES (Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo), é a entidade representativa dos Centros Educativos em Alternância do Brasil. Existe também a AIMFR (Associação Internacional das Escolas Famílias Rurais), com sede em Paris, França. (Jornal UNEFAB, 1994, 01). Nos dias 05 a 09 de agosto de 1996, realizou-se em Guarapari, ES, o 6o Congresso Internacional da AIMFR. Houve participação de mais de 400 pessoas de 16 países onde há Escolas ou Centros que trabalham com a pedagogia da alternância.
No Estado de Goiás existe 01 EFA em processo de implantação, no município de Goiás, funcionando desde maio de 1994. Essa é uma história que vem de longe.
As Escolas Famílias Agrícolas surgem no Brasil num período bastante difícil: a década de 60. Elas surgem no Estado do Espírito Santo, através do MEPES (Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo), a partir de 1969.
Marco histórico do nascimento das EFAs, em 60, aprofundam-se as contradições do modelo capitalista nacional-desenvolvimentista e está em causa uma penetração maior do capital internacional na economia brasileira. Por outro lado, e como consequência desse processo, intensifica-se o movimento operário e camponês, o surgimento de partidos de esquerda, de grupos e entidades que almejam a transformação da estrutura da sociedade, um maior envolvimento e comprometimento de setores da Igreja católica com as lutas sociais, bem como a expansão e difusão de experiências que entendem a educação como um dos instrumentos que proporcionará uma maior conscientização política e social e uma participação transformadora das estruturas capitalistas presente na sociedade brasileira. Ao mesmo tempo intensificam-se as lutas pelas reformas de base: reformas eleitoral, tributária, agrária, urbana, bancária e universitária.
A ditadura militar, implantada no país com o golpe de 64 e com os governos militares posteriores, reprime violentamente todos esses movimentos sociais, no campo e na cidade, bem como prende, tortura, processa, e assassina operários, camponeses, líderes sindicais, de igreja e de partidos de esquerda. Ao mesmo tempo implanta projetos e medidas numa perspectiva de integrar o Brasil na corrente de desenvolvimento e expansão do capitalismo mundial. É o período da ênfase na “unidade nacional, integração ocidental, constituição de um mercado consumidor, adestramento de produtores para um mercado definido” (Calazans, 1993:30-31).
É nesse contexto, que na segunda metade da década de 60 - entre os anos 1965 e 1968 - teve início no sul do Espírito Santo, um trabalho comunitário com participação de várias forças sociais, através da atuação pastoral do Pe. Humberto Pietrogrande, jesuíta italiano da região do Vêneto, onde foram implantadas as primeiras Escolas Famílias italiana. A realidade no sul do Espírito Santo está marcada por uma economia primária agrícola; uma sociedade rural, onde a maioria da população vive no campo; um processo de êxodo rural acelerado, com desânimo de quem ficava; desvalorização sócio-cultural do homem do campo; empobrecimento cultural do meio; homem do campo com espírito religioso profundo e trabalhador incansável. (MEPES, 1994:2-3).
Em 1966 foi criada em Pádova, na Itália, a Associação dos Amigos do Estado Brasileiro do Espírito Santo (AES), com o objetivo de promover o intercâmbio cultural recíproco entre a Itália e o Espírito Santo para o desenvolvimento deste. Inicialmente algumas iniciativas foram promovidas por essa Associação: a preparação na Itália de um grupo de brasileiros para o trabalho (sete jovens agricultores, duas assistentes sociais, duas extensionistas rurais e um agrônomo); o envio de três técnicos italianos ao Espírito Santo, em 1967; criação, no Brasil, de Comitês locais.
Em 26 de abril de 1968, foi fundado oficialmente o MEPES (Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo). Os objetivos do Movimento foram assim definidos:
“Art. 4o. A Entidade tem por finalidade a promoção integral da pessoa humana. Gratuitamente, promove a educação e desenvolve a cultura, através da ação comunitária, numa ampla atividade inerente ao interesse da Agricultura, e principalmente no que concerne à elevação social do Agricultor do ponto de vista religioso, intelectual, técnico, sanitário e econômico. Art. 5o. Atendidos os objetivos, a Entidade celebra convênios com outros organismos de qualquer âmbito e filia-se a outros de âmbitos nacionais, bem como colabora em atividades similares às suas”. (Nosela, 1977:129).

Inicialmente o MEPES assume a educação como campo inicial para a transformação social, tendo a Escola como agência de transmissão. Mais tarde ampliará sua atuação para as áreas de saúde e ação comunitária.
É através do MEPES que em 1969 surgem as três primeiras Escolas Famílias Rurais do Brasil, no Estado do Espírito Santo: de Alfredo Chaves, Rio Novo do Sul e Olivânia, esta em Anchieta. Em 1971 são fundadas mais duas Escolas, em Iconha (ES): uma no Povoado de Campinho (para rapazes) e outra na sede do município (para moças). Em 1972 ocorre a expansão para o Norte do Espírito Santo, com a fundação das Escolas de Jaguaré e Km 41, no município de São Mateus e a Escola de Bley, no município de São Gabriel. No ano de 1978 ocorre a fundação da Escola de Bananal, no município de Linhares. (Nosela, 1977:39-40; Pessoti, 1978: 16-17). Atualmente existem 21 EFAs, coordenadas pelo MEPES, no Espírito Santo. (UNEFAB, 1996).

QUEIROZ, João Batista Pereira de. O processo de Implantação da Escola Família Agrícola (EFA) de Goiás. Goiânia, UFG: 1997. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia. p. 49-58.

Um comentário:

Joab disse...

comentando sobre a fase da ditadura militar implantada em nosso país durante a década de 60, penso que nessa fase boa parte da população deve ter passado por atos repressores daqueles que naquele momento estavam no poder. numa parte do texto fala sobre o adestramento de produtores, acredito que isso seria evidente devido a quem estivesse no poder não aceitar certas questões como por exemplo alguma reinvidicação da população camponesa (exemplo citado até hoje a reforma agrária que nunca sai do papel). É interessante podermos constatar que o golpe militar foi um ato para alienar a população para seguir o que naquela época eles queriam. A educação no campo penso eu que foi muito importante para coibir o êxodo rural.